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Sexta-Feira, 30 de Maio

Orfeu (1999), de Cacá Diegues – uma tragédia urbana e brasileira
Orfeu (1999), de Cacá Diegues – uma tragédia urbana e brasileira
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Lançado em 1999, o filme “Orfeu”, dirigido por Cacá Diegues, é uma adaptação contemporânea da peça Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, e também uma releitura crítica do clássico Orfeu Negro (1959), de Marcel Camus. A proposta de Diegues foi atualizar o mito de Orfeu e Eurídice para o Brasil do fim do século XX, em um cenário urbano marcado pela violência, exclusão social e resistência cultural.

No filme, Orfeu (interpretado por Toni Garrido, vocalista da banda Cidade Negra) é um carismático músico e compositor de escola de samba, respeitado na comunidade e considerado o “rei” do morro durante o Carnaval. Ele conhece Eurídice (vivida por Patrícia França), uma jovem do interior que chega ao Rio fugindo de uma ameaça. Os dois se apaixonam, mas seu amor é atravessado pela violência e pela tragédia — ecoando o mito grego em um contexto profundamente brasileiro.

O filme se passa em uma favela carioca contemporânea, onde o Carnaval convive com o tráfico de drogas, a opressão policial e a luta pela sobrevivência. Essa ambientação realista e social é um dos principais diferenciais do filme de Cacá Diegues. Ao contrário da versão de Camus, que romantizava a favela com um olhar estrangeiro, Diegues busca dar protagonismo às contradições do Brasil urbano e desigual, sem abrir mão da poesia e da música que definem o espírito de Orfeu.

A trilha sonora é outro elemento central da narrativa. Com direção musical de Caetano Veloso, o filme reúne nomes como Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola, Fernanda Abreu, Gilberto Gil, MC Ratinho e a própria Banda Black Rio, misturando samba, funk, música eletrônica e rap — um reflexo da diversidade cultural das periferias brasileiras.

Visualmente, o filme investe em cores fortes, planos abertos das comunidades, e cenas vibrantes do Carnaval, contrastando com momentos de tensão e silêncio que marcam o destino trágico dos protagonistas. A direção de arte, fotografia e figurinos contribuem para um tom épico-popular, onde o mito se funde com a realidade.


Apesar de dividir a crítica na época do lançamento — alguns elogiaram a ousadia da releitura, enquanto outros acharam que o filme não se aprofundava nas questões sociais —, “Orfeu” é uma obra importante por trazer de volta à cena uma narrativa clássica com uma abordagem mais fiel ao contexto brasileiro. Além disso, o filme reacende o debate sobre quem tem o direito de contar certas histórias e como o mito pode ser reapropriado para refletir realidades contemporâneas.

“Orfeu” de Cacá Diegues não é apenas uma atualização da tragédia de amor de Orfeu e Eurídice, mas também uma metáfora da luta cotidiana nas periferias, onde a beleza da arte e a dureza da vida se cruzam todos os dias.

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